Governo recua no IOF, mas taxa títulos do agro e do crédito imobiliário

O governo federal publicou nesta quarta-feira (11) uma medida provisória (MP) que tenta reverter parte das críticas à escalada do IOF sobre o crédito anunciada em maio.

A nova proposta reduz a alíquota de IOF sobre operações com empresas, mas, ao mesmo tempo, promove uma mudança estrutural e danosa no modelo de financiamento da economia real: a tributação dos títulos isentos como as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e do Imobiliário (LCI), que passarão a ter uma alíquota de 5% de Imposto de Renda.

As LCAs foram criadas como instrumento para estimular o financiamento privado da agropecuária — um setor que responde por quase 1/3 do PIB e ainda assim depende fortemente de crédito subsidiado e instrumentos de mercado para manter sua competitividade.

Ao tributar esses papéis, o governo ataca o coração do financiamento rural. O resultado será um inevitável encarecimento das captações feitas pelos bancos, que terão de repassar o custo aos produtores e cooperativas. O mesmo vale para as LCIs, que afetam o crédito imobiliário em um momento em que o país já vive escassez de poupança.

Em vez de taxar o rentismo improdutivo, o governo mira os instrumentos que conectam o capital dos investidores diretamente à produção. Uma sinalização contraditória com os discursos de estímulo ao setor produtivo.

A MP também uniformiza o IR sobre investimentos financeiros em 17,5% e eleva a CSLL de fintechs e bancos digitais. Tributar apostas online e juros sobre capital próprio pode até soar justo. Mas equiparar a LCA — que financia a safra, o alimento, o PIB e o superávit comercial — a cripto ativos, fundos especulativos e ganhos de capital volátil é uma violência técnica e econômica.

Além disso, ao extinguir a isenção fiscal desses papéis, o governo desmonta uma política de crédito que levou mais de uma década para se consolidar. Segundo dados do Banco Central, mais de R$ 360 bilhões estão aplicados em LCA e LCI — um volume que corre risco de fuga imediata com a perda de atratividade, pressionando o custo de captação de bancos médios e cooperativas de crédito, essenciais no interior do país.

A mudança pegou de surpresa investidores, instituições financeiras e o próprio setor agropecuário, que já enfrenta crise no Sul do país, endividamento em larga escala e aumento de riscos climáticos. A quebra da previsibilidade nos instrumentos de financiamento pode ainda abrir margem para judicialização, já que muitos papéis em curso foram emitidos sob regras anteriores.

Mais grave: essa nova tributação vem no momento em que o Banco Central alerta para o esgotamento da poupança tradicional como fonte de crédito habitacional e sugere maior uso do mercado. Ou seja, o governo desincentiva justamente os ativos que dariam base para essa nova arquitetura.

A MP publicada é sintomática de um modelo de ajuste em que arrecadar importa mais do que preservar a estrutura produtiva. Ao invés de promover reformas que ampliem a base, corrijam distorções e incentivem o investimento de longo prazo, o governo opta por canibalizar os poucos instrumentos que funcionam e financiam o país real.

É urgente que o Congresso Nacional reavalie esse trecho da medida provisória, sob pena de provocar mais uma crise silenciosa no setor que garante a segurança alimentar, o superávit comercial e a estabilidade de milhares de municípios brasileiros.

Miguel Daoud

Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural


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